Não aos reis!

Numa altura em que as preciosas joias da coroa, símbolo magnificente da monarquia francesa, desapareceram do museu do Louvre num roubo espetacular já descrito como o “assalto do século”, a França vive um momento sem precedentes com a prisão, pela primeira vez, de um antigo Presidente da República. Entretanto, do outro lado do Atlântico, enquanto os ventos do populismo continuam a soprar um pouco por todo o mundo, os Estados Unidos foram abalados por uma mobilização popular sem precedentes. No final de outubro, cerca de sete milhões de norte-americanos saíram às ruas para a manifestação “No Kings”, denunciando os excessos autoritários de Donald Trump. No entanto, apesar deste protesto maciço, o quase octogenário presidente não desanimou, tomando a decisão unilateral de demolir a ala leste da Casa Branca para aí erguer um salão de baile.

Os reis sempre estiveram associados ao ouro, símbolo de poder e de riqueza, e o recente revestimento a ouro da Sala Oval pelo ocupante da Casa Branca pode levantar interrogações. Porém, em 2025, o rei é o ouro. Atingindo, em outubro, um novo máximo histórico (mais de 4.300 dólares por onça), o metal precioso registou, desde o início do ano, uma subida impressionante (mais de 50%), ocupando o primeiro lugar no pódio dos desempenhos financeiros de 2025.

O que explica esta valorização do metal amarelo? Em primeiro lugar, o seu estatuto de ativo de refúgio está a ser reforçado pelo crescente aumento das dívidas públicas e pela paralisação orçamental nos EUA, a segunda mais longa na história deste país. Aspeto mais fundamental, o ouro representa uma proteção face às inquietações suscitadas pela eventual perda de independência e, consequentemente, de credibilidade da Reserva Federal dos EUA (Fed), que poderá advir da mudança do seu presidente no próximo ano. Tradicionalmente visto como um baluarte contra a inflação, o ouro também está a beneficiar da expansão dos fundos negociados em bolsa (ETF), que o tornaram acessível a um leque mais alargado de investidores. Por último, os bancos centrais das economias emergentes continuam a aumentar as suas reservas de ouro, reduzindo a sua dependência face ao dólar num contexto geopolítico que continua tenso.

A verdadeira questão subjacente reside em saber durante quanto tempo os governos poderão continuar a viver acima das suas possibilidades. Depois do período da COVID-19 e da política do “custe o que custar”, a realidade é que os países ricos acusam, atualmente, uma dívida pública da ordem dos 110% do produto interno bruto (PIB), um nível que não se via desde as guerras napoleónicas.

Como curar então a nossa economia doente, paralisada por uma dívida excessiva? O tratamento parece claro e assenta, fundamentalmente, em três aspetos. Em primeiro lugar, uma dose de inflação. Em segundo lugar, alguma repressão financeira ou qualquer outra forma de levar os intervenientes nos mercados financeiros a comprarem obrigações do Estado de modo a manter as taxas de juro artificialmente baixas. Detenho-me, aqui, por um momento, porque as stablecoins1 constituem um caso interessante. A principal stablecoin indexada ao dólar é a Tether, que se tornou o sétimo maior comprador de títulos do Tesouro dos EUA, à frente do Canadá. Detém quase 130 mil milhões de dólares em T-bills2!

Por último, mas não menos importante, o terceiro componente do tratamento consiste no crescimento económico. Aqui, a boa notícia é que estamos a rever em alta o crescimento mundial para 2025 e 2026, conforme poderão ler nesta edição. Até a este momento, a resiliência do mercado interno dos EUA tem sido uma força motriz e, como afirma o economista Robert Shiller na sua obra sobre “economia narrativa”, enquanto os consumidores permanecerem convictos do “sonho americano”, o que não é necessariamente racional, continuarão a consumir. Por outro lado, o crescimento também está a ser impulsionado por investimentos recorde em inteligência artificial (IA).
Nesta edição, analisaremos também as novas características do mercado de trabalho dos EUA e, como habitualmente, as nossas convicções de alocação de ativos.

1 As stablecoins são criptomoedas de valor estável, por serem apoiadas por um ativo tangível, como seja uma moeda fiduciária (por exemplo, o dólar).
2 Um T-bill (Treasury bill) é um título do Tesouro de curto prazo emitido pelo governo dos EUA para financiar as suas necessidades de liquidez.

 

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Monthly House View, 24.10.2025. - Excerpt of the Editorial

05 novembro 2025

05 novembro 2025

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